Amar é universal: histórias reais que desafiam estigmas e mostram que a deficiência não limita o afeto y375l
Casais com síndrome de Down ensinam que o desejo de amar, ser amado e construir uma vida a dois é um direito de todos — e que poder viver um amor romântico também faz parte da inclusão. 25297
Thiago Donato, 37, e Milena de Carvalho Condigio, 42, se conhecem há tanto tempo que nem sabem precisar exatamente quando começou a amizade. Mas lembram que era ainda na infância, nas aulas de natação. Depois vieram as aulas de ginástica, as conversas, os encontros — e o carinho só cresceu. Há cerca de oito anos, Thiago tomou coragem e pediu Milena em namoro. Ela disse sim. v6d3p
Desde então, vivem uma história de amor que nem a distância foi capaz de interromper. Com a mudança de Milena para Itu durante a pandemia, o relacionamento ou a ser à distância — mas não menos intenso. Thiago já viajou para vê-la em datas especiais como o aniversário dela. Milena também voltou a São Paulo para reencontrá-lo em algumas ocasiões. No dia a dia, falam ao telefone com frequência.
“Ela mora no meu coração. Ela sempre será minha princesa”, declara Thiago. “Eu gosto muito dele, ele faz parte da minha vida. Eu sonho com ele todo dia. Ele é meu amor e minha vida”, responde Milena.
O maior desafio do casal hoje é a distância. Mas o plano para o futuro é claro: querem viver juntos, casar e dividir a vida lado a lado.
Essa pode ser a história de qualquer casal, inclusive de pessoas com síndrome de Down. Assim como milhares de outras pessoas com deficiência, Thiago e Milena sonham, amam, se alegram, sofrem, planejam, desejam e vivem plenamente o que é ser humano.
Assim também é com Thomas Giannini Beyersdorf, 23, e a namorada Marina Cremaschi, 22 anos, que estão juntos há seis meses. Eles se conheceram durante as aulas de dança contemporânea do Instituto Movimentarte e o primeiro beijo aconteceu antes de entrarem em uma apresentação, no final de 2024. Desde então, não se desgrudaram mais.
Encontram-se semanalmente nas aulas e nos fins de semana, e compartilham também momentos com amigos e familiares. Juntos, participam de um projeto de moradia independente, através do qual são incentivados no desenvolvimento de autonomia para que possam morar sozinhos, mas de forma assistida.
“Amor significa parceria, crescer juntos, amadurecer e evoluir juntos. ar por momentos bons e ruins juntos”, define Thomas.
Ele é artista, tem um canal no YouTube e atua como assistente de professor de educação física. Marina é atriz e palestrante. Entre os planos do casal estão morar juntos e ter filhos. Mas antes, Thomas quer morar sozinho — um o importante na construção da própria independência.
“Eu iro o jeito que a Marina dança, o apoio que ela me dá e o fato de ela também querer morar sozinha”, diz ele. A relação também é espaço de construção, de confiança, de aprendizados sobre a vida adulta. Como toda relação deve ser.
Para Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade, instituição com sede em São Paulo, que atua para que histórias como essas deixem de ser exceções, o apoio às pessoas com deficiência e suas famílias deve ocorrer através da inclusão com foco no protagonismo, na valorização da diversidade e no respeito à autonomia
“Reconhecer as relações afetivas de pessoas com deficiência intelectual é parte essencial de uma sociedade verdadeiramente inclusiva. O afeto, o desejo de companhia e a construção de vínculos fazem parte da experiência humana e isso não é diferente para quem tem deficiência. Precisamos romper com estigmas capacitistas, de infantilização, que invalidam os sentimentos de PcD e permitir que essas pessoas sejam vistas como sujeitos plenos, com direito ao amor, à sexualidade e ao exercício de suas escolhas. Incluir é também garantir esse lugar de humanidade e respeitar suas trajetórias com autonomia e dignidade”, complementa a gerente institucional do Instituto Serendipidade, Débora Goldzveig.
Amar também é um direito
Mas se o amor é universal, o direito de vivê-lo nem sempre é garantido. A psicóloga Fernanda Guilardi Sodelli, especialista em questões da sexualidade da pessoa com deficiência e umas das idealizadoras do Projeto PIPA — uma parceria entre UNESCO e Associação para Prevenção e Tratamento da Aids (APTA) —, aponta que ainda há muitos obstáculos sociais na vivência da sexualidade e dos relacionamentos por pessoas com deficiência intelectual.
“Há uma tendência persistente de infantilização, como se essas pessoas não fossem capazes de desejar, amar ou construir vínculos afetivos. Já no caso da deficiência física, os estigmas muitas vezes se voltam à ideia de que esses corpos não são desejáveis, ou que não seriam capazes de se relacionar fisicamente. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: exclusão, invisibilidade e negação de direitos”, explica.
Entre os preconceitos mais comuns, segundo Fernanda, estão a ideia de que pessoas com deficiência intelectual não têm interesse sexual, não sabem escolher seus parceiros ou que precisam ser controladas para “proteção”.
“Amar, desejar e ser amado são experiências humanas universais. Quando reconhecemos esse direito, estamos dizendo que essas pessoas são inteiras, completas, que têm corpo, desejo, projeto de vida. E essa compreensão ajuda muito no desenvolvimento global das pessoas com deficiência intelectual”, pontua Fernanda.
Para a psicóloga Nancy Pereira da Costa, especialista no atendimento de pessoas com deficiência, a vida a dois pode ser um fator decisivo para uma velhice mais ativa, saudável e significativa. Relacionamentos afetivos contribuem para o fortalecimento da autonomia, da autoestima e do senso de pertencimento — e isso vale tanto para pessoas com deficiência quanto para quem não tem. Segundo ela, o companheirismo afeta positivamente a saúde emocional, amplia a capacidade de comunicação e ajuda a enfrentar os desafios da rotina e do envelhecer. Mas é essencial que as escolhas — de estar com alguém, de morar junto ou de participar de grupos — partam da própria pessoa, com o e adequado e respeitoso de familiares e cuidadores.
“Os desafios de um casal com deficiência intelectual ao envelhecer são bastante parecidos com os de casais que não possuem deficiência. Com o tempo, começa a haver mais dependência, mais cuidados com o corpo, com o espaço físico e com a manutenção das questões domésticas e da vivência a dois. É importante mexer na rotina — cuidar do corpo, da mente, ter distrações, lazer. E uma forma que nós temos de promover o afeto, a sexualidade e o companheirismo é empoderando-os, tornando a voz deles audível, respeitosa e legítima. Proporcionando encontros, atividades em grupo e observando qual é o e necessário — sem exagerar e sem faltar”, pontua a Nancy.
Sobre o Instituto Serendipidade
O Instituto Serendipidade é uma organização sem fins lucrativos que potencializa a inclusão de pessoas com deficiência, com propósito de transformar a sociedade através da inclusão. Visa ser impulsor de impacto social relevante, colaborativo e inovador, sempre prezando pela representatividade, protagonismo, de forma transversal e acima de tudo, com muito respeito. As iniciativas que atendem diretamente o público são: Programa de Iniciação Esportiva para crianças com síndrome de Down e deficiência intelectual, de famílias de baixa renda; Programa de Envelhecimento que atende mais de 60 idosos com algum tipo de deficiência intelectual para promoção do bem-estar; e o Projeto Laços, que acolhe famílias que recebem a notícia de que seu filho (a) tem algum tipo de deficiência. Atualmente, o Serendipidade impacta mais de um milhão de pessoas, criando pontes, gerando valor em prol da inclusão e através do atendimento direto a pessoas com deficiência intelectual e suas famílias.
Mais informações em www.serendipidade.org.br e nas mídias sociais @institutoserendipidade
Deixar Um Comentário Cancelar resposta 21401e